Texto do grupo comunista libertário alemão Kolinko, abordando a atualidade e importância do conceito de composição de classe.
(Traduzido e publicado pelo Grupo Autonomia no website Biblioteca Virtual Revolucionária em janeiro de 2002 a partir da versão em inglês – que pode ser atualmente encontrada em https://libcom.org/library/discussion-paper-class-composition)
(Nota introdutória de Kolinko:
Kolinko, Ruhrgebiet/Alemanha, setembro 2001 - informe sobre o encontro de Kolinko e outros grupos, em abril de 2001.
Escrevemos o texto abaixo para um encontro com grupos de vários países. Queríamos dar uma visão geral de nossa noção de classe e de como vemos a relação entre luta de classes e movimento revolucionário. Esta discussão foi só o começo. Algumas críticas severas da noção de composição de classe ocorreram durante a discussão. Incluímos uma versão resumida dessas críticas.)
A composição de classe é a questão central de nossa enquete sobre possibilidade da revolução. Estamos procurando uma força que seja capaz de mudar a sociedade de baixo para cima. É correto, ainda que genérico, dizer que apenas os explorados são capazes de abolir a exploração. Mas como ocorre esse processo de libertação atualmente? A percepção dos marxistas-leninistas é diferente de nossas experiências: a "classe operária" não é homogênea, tampouco vemos a possibilidade de que ela necessite apenas de um partido político para superar suas divisões e fornecer uma direção revolucionária às lutas proletárias. A análise da composição de classe pode nos ajudar a compreender o que é determinante nas lutas operárias, como elas podem se tornar um movimento de classe e como podemos participar ativamente nesse processo.
O estudo da composição de classe pode ser o ponto de partida para uma discussão mais profunda sobre nosso "papel como revolucionários" e nossas estratégias políticas: onde está a coerência mais profunda da "rede operária" do CRO em Bologna, da "enquete operária" do Kolinko na área Ruhr, das intervenções em Brighton, do projeto de jornal de Folkmakt etc.? Sobre quais questões temos diferentes avaliações políticas e que possibilidades existem para uma melhor cooperação futura?
Queremos iniciar com alguns breves pontos sobre a relação entre a prática política e a noção de classe.
1. A noção do "papel dos revolucionários" se baseia numa compreensão específica de classe e numa relação específica com a classe.
Na discussão sobre o "papel dos revolucionários", diversas correntes políticas (leninismo, [anarco-]sindicalismo, comunismo de Conselhos etc.) são geralmente apenas "comparadas" entre si. Devemos analisar como diferentes noções do papel dos revolucionários e de sua organização derivam de diferente compreensões de classe e de uma relação histórica específica com a luta de classes.
2. As diferentes correntes comunistas (leninismo, comunismo de conselhos etc.) têm em comum uma noção formal de classe.
Em geral, as várias correntes criticam o "capital" somente como uma relação formal de exploração: o sobretrabalho é apropriado por mãos privadas ou pelo estado. O real processo material de exploração/trabalho é negligenciado. Essa noção formal de capital leva a uma noção formal de classe operária: uma massa de explorados que devem vender sua força de trabalho devido à sua "despossessão" dos meios de produção. Dessa noção de classe operária diferentes conclusões políticas foram extraídas: os leninistas enfatizam a necessidade de um partido político capaz de unir as massas, cuja única coerência é a semelhança formal dos não-proprietários. O partido deve dar uma direção estratégica para as lutas espontâneas dos explorados. Os comunistas de conselhos apenas observam que a massa de explorados cria suas próprias formas de organização na luta. Eles negligenciam a questão da estratégia e vêem como sua principal tarefa difundir as experiências de auto-organização entre os proletários.
3. A noção formal de classe não pode explicar nem contribuir para a auto-emancipação da classe operária
A noção formal de exploração (sobretrabalho expropriado) é incapaz de revelar a potência de auto-emancipação que os proletários podem desenvolver. Enquanto "não-proprietários" dos meios de produção, sua potência não pode ser explicada. O mero fato de que todos são explorados não cria uma coerência real entre os indivíduos. A possibilidade de auto-organização deriva apenas do fato de que os proletários têm uma relação prática entre si e com o capital: eles trabalham juntos no processo de produção e são parte da divisão social do trabalho. Como produtores, além de se oporem ao capital como "trabalhadores assalariados" formais, em sua prática específica eles produzem o capital. Somente emergindo dessa relação, as lutas operárias podem desenvolver seu poder. O isolamento dos proletários, em empresas, categorias etc., não pode ser superado "artificialmente", tomando a semelhança na condição de "explorado" como fundamento para uma organização. Essa tentativa geralmente termina em outra organização sindical (dita "de base"): sempre haverá a necessidade de uma instituição exterior se a coerência dos proletários não está baseada em sua real cooperação social, mas somente na "coerência formal" do trabalho assalariado. O leninismo não compreende essa profunda razão das formas sindicais das lutas operárias. Ele encara o problema como uma mera questão de direção: a coerência externa é construída pelos sindicatos ou pelo partido comunista? A crítica ao leninismo geralmente se limita a questionar a forma dessa coerência externa: ela é "anti-democrática", não é criada pelos próprios operários etc. As críticas esquerdistas muito raramente analisam o processo de produção em termos de fundamento para a coerência da luta operária. Portanto, elas tendem a apenas seguir a espontaneidade das lutas, sem compreender ou contribuir com uma direção estratégica interna. Por que se desenvolvem correntes políticas diferentes, apesar da semelhança de suas noções de classe?
4. A razão para diferentes noções políticas e práticas do leninismo e de seus críticos esquerdista são as diferentes condições materias de exploração e de luta de classes que eles devem encarar.
Os comunistas de conselhos e outros criticam principalmente o caráter autoritário e anti-democrático do Partido leninista. Pensamos que a crítica mais profunda ao leninismo consiste na análise de como a forma bolchevique de partido emergiu das condições materiais específicas na Rússia, no final do séc. XIX e início do séc. XX. Uma sociedade agrária com aldeias dispersas e isoladas, e alta taxa de doenças endêmicas e poucas zonas industrializadas só poderia ser unida politicamente por uma organização de massas externa. Portanto, a crítica mais profunda dos comunistas de conselhos é a de que essa espécie de organização não era útil nem apropriada para sua situação histórica: nas regiões industrializadas do Oeste Europeu durante a década de 1920. Eles perceberam que as fábricas já haviam unido os operários e que a criação dos conselhos operários durante o período revolucionário de 1918-23 foi a resposta política da classe operária. Hoje, poucas críticas ao leninismo refletem esse "núcleo material". A crítica geralmente permanece num nível político, não tocando nas raízes materiais do leninismo e outras correntes. Hoje, devemos recolocar a crítica em seu devido lugar, analisando as mudanças na organização da exploração e da luta operária. Esta é a pré-condição para o desenvolvimento de novas estratégias políticas. A noção de composição de classe pode nos ajudar nisto.
5. A essência da noção de composição de classe é a tese de que há uma íntima relação entre a forma da luta e a forma da produção
Os operários não lutam juntos por causa da consciência de que "são todos explorados". As lutas dos proletários surgem de condições de trabalho concretas, de reais situações de exploração. As lutas dos proletários assumem diferentes formas (no passado, em diferentes regiões ou setores etc.), porque o processo de trabalho concreto e, por esta razão, as situações de exploração se diferenciam. O modo de produção e a posição no processo social de produção determinam a forma e as possibilidades da luta: a dos caminhoneiros se diferencia da dos operários de construção, as greves em fábricas que produzem para o mercado mundial têm efeitos diferentes das greves em call centers. Na análise da coerência entre modo de produção e luta operária, distinguimos duas noções diferentes de composição de classe:
* a "composição técnica de classe" descreve como o capital reúne a força de trabalho; ou seja, as condições no processo imediato de produção (por exemplo, a divisão do trabalho em diferentes departamentos, separação entre "administração" e produção, uso de maquinário especial) e a forma de reprodução (modo de vida, estrutura familiar etc.)
* a "composição política de classe" descreve como os operários voltam a "composição técnica" contra o capital. Eles fazem de sua coesão, como força de trabalho coletiva, o ponto de partida para sua auto-organização e usam os meios de produção como meios de luta. Ainda estamos discutindo qual ponto particular, no processo de luta dos proletários, pode ser descrito em termos de "composição política de classe". Alguns dos nossos usam o termo tão logo os operários de uma única companhia ou ramo organizam sua luta fora das condições de produção. Outros tomam, como uma pré-condição para uma nova "composição política de classe", uma onda de lutas operárias unificadas num movimento de classe através das lutas no centro do processo social de produção (por exemplo, nos anos 60/70, o foco do movimento de classe priorizava as lutas nas fábricas de automóveis).
A seguir, examinaremos como as formas específicas de produção influenciam os modos, conteúdos e perspectivas das lutas:
a) organização imediata
Se os operários, tentando encontrar soluções para seus problemas, fazem opções individuais ou coletivas, isso depende principalmente da maneira como se relacionam entre si, no quotidiano processo de trabalho. Quando o trabalho é baseado principalmente em desempenhos e habilidades individuais (por exemplo, o artesanal) o tratamento dos conflitos numa base individual é mais provável. Quando a divisão do trabalho cria uma dependência mútua entre os proletários, a necessidade de uma ação coletiva é mais evidente. O potencial para a auto-organização, além disso, depende do grau em que o processo de trabalho permite aos proletários se comunicarem entre si (intensa cooperação, concentração de operários num local de trabalho ou moradia etc.).
b) poder imediato
O fundamento para a emergência, o conteúdo e as possibilidades das lutas dos operários depende do poder que eles ganham contra o capital. Isso varia, em diversas circunstâncias. Por exemplo: se os proletários estão concentrados em pontos de importância significativa para o processo de produção e acumulação; se a luta ocorre numa situação econômica específica (crescimento da demanda) ou numa composição particular do capital (um alto padrão de maquinário requer produção ininterrupta) que aumentam a dependência da força de trabalho.
c) conteúdo político
A "consciência política", a consciência de confrontar o capital como uma classe, não pode ser trazida aos proletários de fora, mas apenas desenvolvida na própria luta. Este desenvolvimento da consciência também depende da relação prática entre os produtores e sua relação com os meios de produção. O modo capitalista específico de produção é a produção em massa, baseada na divisão do trabalho e maquinário. Se os proletários entendem a exploração só de um ponto de vista "sindical", como uma distribuição injusta do produto, ou de um ponto de vista "político", como uma relação social de produção com suas próprias leis, depende das condições nas quais eles devem trabalhar. Não é uma questão de "consciência verdadeira ou falsa", como os leninistas afirmam, mas de que a exploração não é somente capitalista num sentido formal (trabalho assalariado livre) mas também em seu sentido material (divisão hierárquica do trabalho, processo de trabalho controlado pela máquina etc.).
Alguns exemplos de como as específicas condições de produção influenciam o conteúdo político da luta operária - e sua relação com o capital como um modo de produção:
Relação com a forma-salário:
No capitalismo, a relação assalariada, aparecendo como "a troca individual de dinheiro por trabalho", oculta o fato de que o capital explora a força de trabalho coletiva dos proletários. Um operário que é assalariado com uma centena de outros, que devem fazer o mesmo trabalho, está mais apto para observar que os "contratos individuais" são uma farsa do que, por exemplo, um artesão que "possui" habilidades especiais e portanto "trabalho para vender" especial.
Relação com o trabalho:
O trabalho no capitalismo é abstrato. As tarefas específicas que realizamos não são importantes, mas o fato de que o trabalho acrescenta mais-valia ao produto é. Um trabalhador que deve fazer um trabalho "não qualificado" junto com outros terá uma relação com o trabalho diferente da do trabalhador especializado. O primeiro realmente experimentará o trabalho como abstrato e será menos propenso a glorificá-lo e a se organizar dentro dos limites de sua profissão.
Relação com outros proletários:
Uma noção formal de classe não vai muito longe. Isso se revela quando vemos a composição da força de trabalho no chão da fábrica. Poderíamos afirmar que o capataz, o chefe de equipe e o gerente são também "trabalhadores assalariados" e portanto explorados, mas quase toda luta deve se impor contra esses "patrõezinhos". A divisão (hierárquica) do trabalho no processo de produção social é o fundamento para as divisões sexistas e racistas dentro da classe operária. Assim, por um lado, o capital divide os proletários, mas por outro, ele une proletários de todas as cores de pele, gênero, nacionalidade etc., no processo de produção. Se as divisões entre os operários são questionadas ou fortalecidas é geralmente decidido na luta. Fábricas, setores específicos etc. com uma composição "colorida" são especialmente decisivos nesse processo.
Relação com os meios de produção:
O capital é o processo e o resultado de um modo de produção no qual o trabalho morto (máquinas, trabalho materializado) domina a força de trabalho viva. Um operário que deve obedecer o rítmo das máquinas e observa que, apesar do progresso tecnológico, sua situação não melhora, está mais propenso a atacar o capital como um modo de produção antagônico. Os que atuam num processo de trabalho artesanal, e que são ainda "senhores" de suas ferramentas, serão mais propensos a ver o "patrão" como o símbolo da exploração.
Relação com o produto
Os proletários nas esferas da produção em massa compreendem que a qualidade dos produtos tem um papel secundário e que o importante é a quantidade. Geralmente, não conhecemos o valor de uso do produto, porque só vemos uma parte do processo de produção e num estágio em que o produto ainda não tem valor de uso. Muitos proletários não trabalham com um produto material, mas sob condições industriais semelhantes para realizar "serviços". Devemos discutir como essa "imaterialidade" dos produtos repercute na luta dos operários.
Fica em aberto para nós a questão de como as lutas dos "artesãos", trabalhadores rurais e outros proletários que não trabalham sob condições "industriais" podem desenvolver um caráter anticapitalista. É uma questão decisiva a de como essas lutas podem se unir com as lutas do "proletariado industrial", apesar das diferentes condições e sem uma mediação externa (como o assim chamado movimento "Anti-Globalização", "Ação Global dos Povos", os "Zapatistas" e outras organizações que pretendem ligar diferentes "movimentos sociais").
d) expansão
A expansão das lutas depende da "espontaneidade", da situação social e do simples acaso. Para uma estratégia política, é importante analisar o fundamento material de uma expansão: qual a relação entre uma luta isolada e a produção social? Uma empresa é sempre, em maior ou menor grau, conectada à divisão social do trabalho: cadeias internacionais de produção, transporte, conexões com o "trabalho científico" em universidades, conexão com o "setor de serviços" e distribuição. Assim, existem diferentes formas pelas quais uma luta afeta a sociedade; por exemplo, uma greve afeta a vida cotidiana de uma massa de proletários. Os operários que não estão engajados imediatamente numa greve percebem sua consequência enquanto produtores, por exemplo, quando não podem mais trabalhar devido à falta de peças? Eles a percebem como consumidores, por exemplo, porque não encontram seu jornal pela manhã? Para a expansão de uma luta, é importante que outros proletários sejam não apenas informados através da mídia, mas afetados em sua vida e trabalho cotidianos. Esses efeitos mostram a dimensão social da produção hoje e assim podem destruir a noção de "locais de trabalho isolados". Também as habilidades sociais que os proletários adquirem em sua existência como força de trabalho influenciam seu potencial para romper o isolamento da luta por sua própria atividade: por exemplo, sabendo como organizar e improvisar no caos do processo de produção, as habilidades para usar meios de comunicação, a experiência e relações com proletários imigrados etc.
e) generalização política
Na história da luta de classes, nunca ocorreu uma "insurreição em massa", uma insurreição simultânea da maioria. Sempre foram minorias do proletariado (de uma única fábrica, ramo, região etc.) que começaram uma agitação, que impusionaram seu avanço ou se tornaram o símbolo ou foco de um movimento de classe. Esses "núcleos" não se fundamentam numa "maior consciência" nem emergem por acaso. Nos anos 60/70, foram principalmente os proletários nas fábricas de automóveis que fizeram esse papel. O setor automobilístico, força impetuosa do crescimento capitalista nas décadas anteriores, absorveu milhares de proletários que vieram de diversas regiões para as metrópoles. Ele generalizou a experiência dos proletários, pela tecnologia e a organização do trabalho, numa escala internacional. Ele era o centro de uma divisão internacional do trabalho, com conexões produtivas em quase todos os setores.
Em outras épocas e lugares, regiões particulares se tornaram o centro de um movimento. Isso foi devido menos à "tradição" do que à sua importância no processo social de produção; por exemplo, cidades portuárias, zonas de mineração. Nos centros de desenvolvimento, a conexão entre estado e capital pode ser notada mais facilmente (planejamento da infraestrutura, política de mercado de trabalho, legislação específicas etc.) e o caráter global dessa sociedade é óbvio (investimentos estrangeiros, migração,...). Podemos citar Turim como exemplo para os anos 50/60, ou as maquiadoras na américa latina e as "Zonas de Desenvolvimento Especial" na China. Também na Europa existem "zonas de desenvolvimento" (por exemplo, na fronteira oeste da Polônia, a região em torno de Dresde, Piemonte,...).
Pensamos que as lutas podem se expandir sem esses "centros", mas frequentemente a limitação dos movimentos de greve se deve ao fato de que os "centros" não participaram ou foram derrotados. Desse modo, a "generalização" não é realmente uma questão de "liderança política", mas da extensão das lutas ao longo das linhas de produção social e de atingir o capital nos pontos centrais.
f) tendências comunistas
Existem noções muito diferentes de "tendência comunista". Por um lado, a noção de que os seres humanos têm "necessidade humana" de uma sociedade melhor, que expressam em suas lutas contra a exploração. Por outro lado, a noção ortodoxa de que o desenvolvimento das forças produtivas abolirá o capitalismo e fará o comunismo possível. O leninismo e a maioria das correntes da "esquerda comunista" possuem uma noção muito mecânica de forças produtivas: desenvolvimento da tecnologia e a extensão da divisão social do trabalho devido à concorrência. O fundamento do comunismo é o fato de que as forças produtivas desenvolvidas são capazes de reduzir o tempo de trabalho individual. Eles apenas se dão conta do fato de que as forças produtivas estão em mãos erradas, e ignoram a contradição de que a forma material da tecnologia (linha de montagem), da ciência (taylorismo) e da socialização ("globalização") em si mesma é o fundamento do domínio capitalista sobre os proletários. A dissolução dessa contradição pode acontecer somente num movimento de classe que tanto transforma as condições materiais de produção quanto "socializa" as forças de produção ao longo da luta. Portanto, as lutas devem se relacionar com a contradição entre as possibilidades sociais (enorme produção de riqueza material, produtividade acrescida) e a realidade (labuta e pauperização).
Um problema central continua sendo o desenvolvimento desigual: o estado da tecnologia, o uso da ciência, o grau de divisão social do trabalho é diferente em cada setor, região etc. Os operários devem enfrentar diferentes estágios de desenvolvimento no processo de trabalho, por isso nas lutas eles se relacionam de diferentes maneiras com as possibilidades e contradições das forças sociais de produção. Em zonas de "subdesenvolvimento" (com nenhum ou poucos investimentos, investimentos em exploração do tipo "trabalho intensivo") a "necessidade do comunismo" se expressará, sobretudo, nos operários atacando a pobreza e a produção por trabalho intensivo como uma consequência do "uso" capitalista da produtividade social. Nos centros de desenvolvimento, a contradição se mostra no fato de que, apesar do "progresso tecnológico" e da "abundância", a vida é ainda dominada pela labuta e miséria relativa. A questão principal será a de quais pontos das lutas do desenvolvimento desigual podem se socializar/globalizar como uma nova "força produtiva". Que lutas serão capazes de exprimir a possibilidade e a esperança de uma melhor forma de produção, em função das condições materiais (estado da tecnologia, ciência, divisão do trabalho etc.) nas quais elas surgem?
A revolução comunista terá que destruir a existência artificial do "desenvolvimento e subdesenvolvimento". Devemos descobrir em que pontos da produção social esse processo começará e desenvolverá potência.
Não é fácil encontrar bons exemplos para mostrar a coerência entre o "estágio das forças produtivas" e a "utopia" da luta de classes. As revoltas nas sociedades agrárias tiveram menos uma "utopia social" do que a reivindicação de cultivar a terra na sua própria maneira "anárquica". As lutas fabris, na Europa ocidental no início do último século, desenvolveram a esperança socialista de colocar as fábricas e portanto toda sociedade sob controle dos proletários. As lutas dos anos 60/70 expressaram a crescente "cientificação" da produção, o crescente terror da maquinaria e alienação do trabalho e produto. A diferença entre as "lutas operárias" e outros movimentos sociais se dissolveu cada vez mais devido ao fato de que toda sociedade (escolas, universidade, infraestrutura urbana) foi mais intimamente conectada ao "atual processo de produção". Os centros do movimento (fábricas, universidades) apropriaram muito das "possibilidades produtivas" da sociedade moderna. A crescente divisão do trabalho na fábrica e a linha de montagem foram usadas para organizar novas formas de greve; fábricas e universidades ocupadas se tornaram pontos de encontro centrais, a "nova ciência" e meios de comunicação foram desenvolvidos pelo movimento etc. Ao fazer isso, o movimento se tornou mais "produtivo" e criativo, e difundiu as "forças produtivas" desenvolvidas para o restante da sociedade. O movimento refletiu o "desenvolvimento das forças produtivas" em suas exigências.
6. A Composição de classe expressa a coerência interna e a tendência da luta de classes
Os problemas acima remetem à questão da estratégia para a luta de classes. A estratégia somente pode ser derivada das tendências do capitalismo. No processo social de produção, o capitalismo cria e conecta desenvolvimento e subdesenvolvimento como uma reação à contradição de classe, que explica o caráter dinâmico do sistema. Nas fábricas hi-tech existem departamentos de diferentes níveis "tecnológicos". Essas fábricas são conectadas a fornecedores de diferentes padrões de desenvolvimento, até os de trabalho intensivo (sweat-shops) no "terceiro mundo". Os diferentes níveis de desenvolvimento são o fundamento material para as divisões e a desigualdade da luta de classes. As lutas operárias que podem se generalizar ao longo das linhas de "desenvolvimento desigual" levam as condições de produção a se tornarem similares. As lutas dos operários nas fábricas de automóveis nos anos 60-80 tiveram como resultado que as condições nas fábricas principais se tornaram similares em todo mundo, incluindo antigas "zonas de subdesenvolvimento" (México, Brasil etc.): no nível de tecnologia e também para os proletários (relação similar entre salário e produto). O capital reage à "composição política de classe" (generalização da luta de classes) com uma "recomposição técnica", com a reprodução do desenvolvimento desigual em um nível mais alto: as regiões são "desindustrializadas"; em outras, o capital faz um grande avanço tecnológico; velhas fábricas "centrais" são divididas em diferentes unidades de uma cadeia de produção; a produção é "globalizada" etc. O capital cria novos centros de desenvolvimento que podem se tornar novos pontos de generalização dos futuros movimentos da classe operária. Dessa forma, a coerência interna dos movimentos proletários vindouros é antecipada. Sua estratégia não surge separada nas cabeças dos revolucionários, mas reside no processo de desenvolvimento material (de divisão do trabalho, maquinário etc.) enquanto tal.
7. A tarefa dos revolucionários é a análise do desenvolvimento capitalista para serem capazes de avaliar e mostrar os potenciais da luta de classes
A função específica dos revolucionários não pode ser explicada por uma "consciência política" que a luta de classes não alcançaria por si mesma. Ela só pode ser derivada de uma visão e interpretação geral das coisas que acontecem. O poder, as possibilidades de auto-organização, de expansão e generalização são colocados pelas condições de produção. A tarefa dos revolucionários é mostrar a coerência entre as condições materiais e práticas e a perspectiva das lutas. O movimento da classe ocorrerá na rede de desenvolvimento e subdesenvolvimento. Portanto, devemos mostrar a conexão das diferentes partes dessa rede e as razões políticas da desigualdade. A análise do fundamento material das lutas operárias também determina onde devemos intervir. Não é suficiente apenas seguir os padrões "espontâneos" das lutas e documentá-los. Devemos observar os pontos que podem ter importância estratégica para o futuro. Essas áreas não precisam ser a "mais desenvolvida" ou os "centros de acumulação". Com frequência, os setores que conectam diferentes níveis de desenvolvimento (transporte entre diferentes fábricas, "trabalho de informação" entre produção e distribuição) são significativos para a generalização das lutas. Por isso, precisamos de mais do que uma troca informal entre nossos grupos, necessitamos de discussão e intervenção organizadas.
8. Sugestões para a discussão
a. questões
b. Existe coerência entre a forma de produção e as formas de luta? Quais as diferenças, por exemplo, entre fábricas e call-centers e o que significam para possíveis conflitos?
c. O "processo de produção imediato" é a esfera central da luta de classes? De que modo influenciam outros aspectos da existência proletária (lazer, modo de vida etc.)?
d. Existem "pontos centrais" numa fase da luta? Quais as suas origens?
e. A que consequências políticas a noção de composição de classe leva, qual o perigo (por exemplo, uma visão limitada da luta de classes)?
f. Onde estão as tendências para uma "nova composição política"? Onde estão os possíveis pontos do novo poder operário e da generalização das lutas?
9. Resumo da discussão sobre composição de classe no encontro em Oberhausen, abril de 2001
A) Discussão
B) Crítica da discussão
C) Referências a artigos sobre composição de classe
A) Discussão
Começamos apresentando uma versão curta das Notas, porque nem todos as leram. A discussão a seguir se desenvolveu livremente, mas não se referiu às Notas em detalhe. A discussão pode ser resumida em quatro questões:
a. A noção de composição de classe e seu surgimento é fortemente ligada a uma situação histórica específica e portanto não é facilmente aplicável à recente situação?
b. A noção de composição de classe nos leva a classificar a classe em diferentes categorias de proletários? A noção superestima a influência das "condições objetivas" e subestima o impacto da espontaneidade, experiência e exemplaridade das lutas dos operários?
c. Devemos procurar um "sujeito central" ou um setor central que desenpenha uma importante função na luta de classes – ou devemos levar em conta a experiência de cada operário?
d. A estratégia de composição de classe se limita a uma separação entre os revolucionários e as condições atuais de exploração e portanto a uma noção e relação sociológica com a luta de classes?
Questão a)
Não concordamos quanto à importância da discussão sobre a origem do atual termo ´composição de classe´ para o próprio debate. Foram duas as linhas gerais de discussão:
Primeira:
A noção de composição de classe tem origem numa específica situação histórica. Foi introduzida na discussão marxista na Itália, no início da década de 60. A situação, naquela época, não era notável pela intensidade da luta de classes. Havia apenas esboços de novos tipos de conflitos. A noção de composição de classe está relacionada com a emergência e desenvolvimento de setores centrais nesse período e nessa região: a extensão dos setores de metalurgia e automobilístico. A noção de composição de classe deveria nos ajudar a entender a coerência entre o desenvolvimento das condições materiais nesses setores e o ressurgimento do poder operário. Assim, a noção não é aplicável em outras situações históricas, sem distinguir as diferenças específicas. O que frequentemente aconteceu, há algumas décadas (por exemplo, a teoria do "operário social" ou "trabalhador imaterial"). Nos últimos 20 ou 30 anos, o capitalismo se desenvolveu de tal forma que não existe mais nenhum setor central de acumulação; dessa forma, a noção de composição de classe perdeu seu fundamento principal. (referência: "Massenarbeiter und gesellschaftlicher Arbeiter", de Battagia)
Segunda:
A noção de composição de classe descreve sobretudo uma abordagem específica: analisa os potenciais da subjetividade e do poder operário que surgem das condições materiais e desenvolvimentos da relação do capital. As Notas sobre "composição de classe" deveriam ter sido escritas sem usar esse termo específico. Antes da discussão na Itália nos anos 60, (e antes da introdução do termo "composição de classe"), havia discussões sobre a coerência do modo de produção e a forma como os proletários assumem a luta. (referências: "The militant proletariat", de Lewis). Que o capital não está gerando um novo setor central que conecte diferentes regiões e ramos de industrias é realmente um problema importante. O problema não é que não possamos mais usar nossos termos específicos, mas que, devido à falta deste setor central, a classe operária não pode encontrar pontos comuns de referência e portanto não pode generalizar suas lutas.
Questão b)
Tentamos resumir os diferentes usos da noção de composição de classe:
1. Como instrumento para classificar diferentes grupos de proletários, por exemplo, no sentido dos marxistas-leninistas, que tentam rotular diferentes grupos de proletários devido a suas supostas diferenças de consciência de classe. Dessa perspectiva os operários só podem ser vistos e tratados como objetos.
2. Como uma ferramenta de análise para nossa busca por condições onde a ação coletiva pode se desenvolver e onde possamos tomar parte na discussão e outras atividades contra a exploração. Nesta noção, nós nos vemos como uma parte da subjetividade da classe.
3. Como uma abordagem para compreender a relação dialética entre o desenvolvimento do capital e a subjetividade da classe. A noção de composição de classe se refere à noção de Marx, de composição orgânica do capital, que descreve a coerência entre a acumulação de trabalho morto (maquinário) em relação à força de trabalho. Essa relação por um lado expressa o domínio do capital sobre os proletários, mas por outro lado contém a tendência comunista dentro do capitalismo (potencial para reduzir o tempo de trabalho socialmente necessário). Composição de classe descreve a coerência entre essa dinâmica objetiva do capitalismo e a subjetividade dos proletários.
A discussão a seguir foi mais ou menos em torno da questão: Qual a relação entre as condições objetivas e a subjetividade dos proletários?
Classificação:
Existe o perigo de regredir à mecânicos padrões marxistas-leninistas, na tentativa de compreensão das diferentes potenciais das lutas operárias, devido às diferentes condições das quais surgem. Por outro lado, devemos encarar o problema de que os operários são classificados e postos em categorias específicas pelo processo de produção capitalista. Essas classificações (por exemplo, ser uma habilidosa operária numa pequena oficina para a produção global de anões de jardim) só podem ser destruídas "de dentro". A análise das condições específicas dos proletários não deve ser estática. Nossos pontos de partida são as condições específicas numa esfera específica da exploração, devemos tentar relacioná-las com a contradição global da classe. Com referência ao terceiro ponto do resumo sobre o uso da composição de classe (a relação dos proletários com a composição orgânica do capital): os operário confrontam a "composição orgânica" do capital e a socialização do trabalho de muitas formas diferentes (por exemplo, companhias de software indianas próximas à fábricas texteis, em regime "trabalho intensivo"). Devemos encarar e analisar o problema de como essas diferenças podem ser superadas na luta de classes.
Espontaneidade e experiência
Foi questionada a possibilidade de derivarmos, das "condições objetivas", se e como os operários lutarão. Enfatizou-se que deveríamos prioritariamente analisar as lutas atuais. Também as lutas em esferas "menos importantes" da exploração (produção de anões de jardim) pode se tornar um modelo e um símbolo para outros proletários. Concordamos que há sempre uma espontaneidade da luta de classes e que uma coisa boa é que nem toda ação é determinada. Mas é impossível tomar essa espontaneidade como fundamento da estratégia política. Além de analisar a atual luta de classes, deveríamos tentar compreender a base material do presente refluxo do movimento e as condições para futuros conflitos. Para fazê-lo, contamos apenas com as atuais e diferentes condições de exploração.
Questão c)
Criticou-se o uso da noção de composição de classe para identificar um sujeito central dentro da luta de classes (desta forma, eliminando o resto). Pelo contrário, devemos ver a importância de toda "experiência proletária", não apenas no local de trabalho, mas também na esfera da reprodução, a experiência especial como (proletários) imigrantes etc. A análise da composição de classe só pode nos ajudar a compreender as situações específicas com as quais nos confrontamos, por exemplo, o por quê das divisões particulares existirem num chão de fábrica especial. Nós nos perguntamos se todos estamos procurando por condições especiais na exploração, porque avaliamos suas específicas importâncias políticas. Também o CRO (Coletivo Rete Operaia), que insiste na experiência imediata de cada operário, enfatiza a importância do modo industrial de produção, a organização científica do trabalho etc. Concordamos que se há uma opção, preferimos trabalhar ou intervir numa grande fábrica do que numa lanchonete com duas pessoas.
Questão d)
Discutimos como a relação entre os revolucionários e a classe deriva da noção de composição de classe. A análise da composição de classe com frequência foi um mero pretexto para os burocratas de partido e sindicato ganharem mais influência para suas organizações dentro dos conflitos, apesar de seu afastamento do chão de fábrica. A análise pode ser levada adiante por eles ou outros "cientistas", porque somente eles têm tempo e recursos. Contudo, uma enquete somente pode ser revolucionária se é realizada pelos próprios proletários – uma autopesquisa. Podemos contribuir para esta enquete através de panfletos etc. A análise da composição de classe deve ocorrer fora da prática concreta. A análise não deveria influir na decisão de intervir numa luta particular.
A isso se opôs o comentário de que os revolucionários não podem apenas se mover dentro da exploração por acaso ou analisar somente as lutas que acontecem e/ou de que co-incidentalmente somos informados. Deveríamos ser capazes de compreender as tendências gerais e específicas na luta de classes.
Durante essa parte da discussão, tornou-se óbvio que usamos dois termos abstratos: "composição de classe" e "experiência proletária". Não se trata de opor esses termos, mas de discutir a relação entre experiência/intervenção dentro da exploração e a análise dos desenvolvimentos específicos em certas áreas do processo social de produção. Através disso, devemos estar conscientes das diferentes condições que temos de encarar (de grupos, de diferentes regiões etc.).
B) Crítica da discussão
Houve duas críticas principais da discussão:
a. A discussão foi muito genérica. Deveríamos ter discutido a noção de composição de classe com relação a situação e a enquete nos call centers ou outra experiência concreta.
b. Na discussão, os termos "composição de classe" e "experiência proletária" foram apenas rótulos ideológicos. Assim, não discutimos nossas próprias questões sobre a situação recente na luta de classes e nossa própria maneira de relatar essa situação.
Referências
"Massenarbeiter und gesellschaftlicher Arbeiter - einige Bemerkungen über die "neue Klassenzusammensetzung" - Roberto Battaggia, wildcat-Zirkular Nr.36/37 bzw. Primo Maggio Nr.14 (inverno de 1980/81)
"Zusammensetzung der Arbeiterklasse und Organisationsfrage" - Sergio Bologna, Internationale Marxistische Diskussion 35, Merve Verlag Berlin "Composizione di classe e teoria del partito alle origine del movimento consiliare" - Operai e Stato, Milão 1972
"Organische Zusammensetzung des Kapitals und Arbeitskraft bei Olivetti" - Romano Alquati, TheKla5 "Composizioni del capitale e forza-lavoro alla Olivetti" - Quaderni Rossi nr. 2, 3
"The Militant Proletariat" - Austin Lewis, Chicago 1911 dtsch. Übersetzung "Das militante Proletariat" - Austin Lewis, in: Karlsruher Stadtzeitung(wildcat) (Hrsg.): Die Wobblies, Band 2, Karlsruhe 1984
“Forcing the Lock? The Problem of Class Composition in Italian Workerism" - Steve Wright, Monash Phil.Diss. 1988
"Der Kommunismus" - Jean Barrot, Weltcommune, Wissenschaftliche Zeitschrift der kommunistischeREF Bewegung, 1/94
kolinko - September 2001
www.nadir.org/kolinko
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